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05/05/20

Caminho do passado

Saberás que parti
Quando olhares o vazio dos teus passos
numa estrada que não construíste
e eu não posso esperar mais

Olharás para trás e verás o caminho
Cheio dos nossos risos e das palavras
Todas as palavras que já foram ditas...
mas o caminho esteve quase sempre vazio

Não se pode percorrer um caminho vazio
e não há mais lugar, não há tempo
Perdemos o tempo que gastámos com as palavras
e perdemos a estrada...

Saberei que parti
Quando olhar para trás e vir o vazio dos teus passos
e dos meus...
Quando ouvir o silêncio dos antigos abraços sem nós

É nesse silêncio
Que continuarão a existir a verdade que tentámos percorrer
E que nem eu nem tu te sintas enganado
Mas perdemos o tempo e a estrada...
nesse caminho de passado

CAD

25/07/18

Notas

Não perder o foco, a noção do que sou. 
Não perder a esperança, nem o que te dou.
Não perder a vida, a olhar p'ra trás.
Ontem já foi, ontem já passou.

Não perder o tempo, nem a alvorada.
Não perder o rumo, nem aquela estrada.
Não perder a noite, contigo deitada.
Não perder... Não perder mais nada.




13/07/18

Sexta feira 13


Foi deus que se enganou e abriu uma porta
que afinal era uma janela, que afinal não era nada
Foi a deusa que brincou, com o seu sentido de humor
Que pegou naquela  letra e a transformou
Um doce rumor num amor, que depois se desligou

Tinha moedas de algodão e cafés de chocolate
Tinha lençóis de flanela, que afinal eram de linho
E caraçóis em cabelos, todos feitos de carinho
Tinha mãos que não se davam, tinha lagos de suor
A saber a lábrimas, a saber a tudo menos a amor
E no entanto

Havia memórias futuras
que não serviam para nada
porque o passado de um,
era o futuro do outro
E uma história p’ra trás
com um vazio quase rente
Das   vidas que se cruzam
mas que andam sempre em frente
e os lábios doces e duros
que nunca disseram tudo
Porque a palavra
nunca podia ser dita
Nem podia ser escrita, nem pensada
mas também não podia ser rasgada

Foi deus que se enganou, foi a deusa que brincou
Foi a saudade que fica num corpo que parecem dois
Foi verdade, foi mentira, foi o que não pode ser
Como a alegria que vem antes do acto e da dor
Da palavra esmigalhada que só podia ser Amor-


25/04/16

Pensamento em Abril

De que me serve a liberdade
Quando só posso ter um pássaro se o fechar numa gaiola?
De que me serve uma gaiola
Se o meu coração não conhece o que são grades, se não se fecha?
De que me serve um coração...
Se não posso ter um pássaro? Se não quero uma gaiola?
De que me serve a liberdade
Se não tenho coração?...
...

04/03/16

e de repente

O Amor não é linear, nunca foi.
Pode apresentar-se de tantas formas e feitios que por vezes até parece disforme, mas nunca é.
 
Todos os amores nos fazem desejar um futuro, um futuro que se desenha a quatro mãos que de repente são seis, e, de repente são oito, porque o Amor é sempre um número par mesmo que seja vivido em silêncio, dentro de cada um.
Mas o Amor nunca deve ser vivido em silêncio.
 
O Amor precisa de barulho, de vida, de cor, de roupas penduradas no varal a secar, de camas por fazer, de risos, de abraços que nos levantam do chão e por vezes de dor. Nenhum Amor sobrevive sem alguma dor, que necessita de ser partilhada, entendida, ás vezes num silêncio sobrenatural e cheio de sons surdos, e de mãos dadas, quatro mãos que de repente são seis, que de repente são oito...
 
E o Amor também precisa de olhos, olhos que gritam palavras sem significado aparente e que querem dizer tudo, olhos que dão as mãos e que se fecham em conjunto quando as palavras são demasiadas ou já não chegam. Porque as palavras nunca chegam.
 
No Amor, todos os dias se inventam palavras que fazem medo apenas por serem tão novas... palavras que saem dos olhos e das mãos, que de repente são quatro, e de repente são seis, e de repente são oito...

21/07/15

Viver


Começa nos braços e muito devagar, desce
É uma dor que avança, penetra e mexe
Não há como fugir e depressa sobe
Não tem nada de belo, não tem nada de nobre


É a dor do silêncio de quem desistiu
Uma coisa fechada que nunca mais abriu
É a vontade de virar costas e começar a descer
É a certeza crua de não poder permanecer


São os olhos cansados de quem se perdeu
Na luz de um corpo que nunca acendeu
É a dor, é a dor que vem de mansinho
A chorar o amor, mendigar um carinho


Nada se move nas vidas que se arrastam
Tudo se enche das coisas que se afastam
E de repente o grito do que já não sou
Que ressoa dentro do que não te dou


É a vida a esvair-se em largos tragos
A boca cerrada, os olhos alagados
Num mar de desespero e da tua solidão
É nunca mais a tua mão na minha mão


Começa nos braços e muito devagar, altera
Ao percorrer o corpo abre uma cratera
Onde cabe tudo o que eu podia ser
E onde não me resta nada senão morrer


Mas de repente a palavra aparece, escrita
Não é doce nem terna, nem sequer é bonita
A palavra lembra-nos que escolhemos a sorte
E que p'ra viver é preciso lembrar a palavra morte


A palavra lembra que respirar é preciso
Que podemos ajudar a construir um abrigo
Que apesar da ceifa e apesar do perigo
Podemos sempre ganhar um amigo...











27/05/15

Calai-vos imortais...
Não podereis saber do que faleis.
Nada sabereis das minhas cíclicas mortes...
das minhas sortes, nada nunca sabereis do que se cala...
e ficareis vós, bem melhor assim!

10/04/15

Só é possível ficar

A dança de dois corpos que se amam
Entre o que já foi e o que não deve ser
Entre as escolhas que te trouxeram a mim
De entre as mulheres que tinhas p'ra escolher

A cama que nos recebe tardia
Numa valsa sem rendas nem passos
Numa frescura desejada e doce
Feita de amor, apertos e abraços

A casa cheia cheia de ti e de mim
Cheia de cheiros, memórias e sabores
Recebe-nos na calma das noites
depois da perda de todos os amores

E ficamos os dois frente e frente
Com algo que não é só amor
é uma liberdade diferente
de uma ternura premente
Onde se conta uma história
que é triste e é contente
é mais que o amor é Amar
e estando nós dois frente a frente
é impensável pensar
E sentindo, como sempre
só é possível ficar.


05/04/15

No meu colo descansas

Dir-se-ia que nascemos um do outro
Como se antes de nós dois,
nunca tivessem havido outras vidas
E as que houveram foram todas em vão, perdidas
Não foram, sequer, como esta, sentidas

E as que houveram foram apenas cenas todas repetidas
Como num filme barato
Onde não hove verdade nem nunca houve mentira

Aqui e agora
tudo temos.
Tens a tua mão na minha
e os braços fortes que nao me deixam partir
e temos algo só nosso de onde não quero sair

E a meio da tarde temos, várias noites repentinas
onde me enches de ti
onde hoje e sempre, em surdia
me amas doce e serena
ou exaltada outra vez,
Acalmo-te com tudo o que sou
Acalmas-me com tudo o que és

No teu colo descanso
No meu colo descansas
E sem precisarmos razões
Amo repetidamente tudo outra vez.

02/04/15

Um chá, num dia em que o sol se pôs na estrada. 
E afinal era a tua mão que tocava uma campainha. 
Era a minha porta. 
Eram todas as minhas portas e abri-as mas parecia só uma porta. 
A que tu viste.
E abri todas as janelas e esperei... 

A noite fresca entrou pela janela devagar e sentou-se 
a ver uma televisão acesa que nós não víamos.
Deitados numa das portas abertas ajeitámos as almofadas 

e deixámo-nos estar, como se a noite não estivesse ali. 

Nem a incongruência dos verbos nem a razão me consegue impedir de abir todas as portas; 

e nem o tempo nem o espaço e muito menos os relógios compassados te impedem de vir, entrar e ficar... 
como se a noite não estivesse sentada na sala, a ver televisão e nós não.

Tapa-me devagar. Adormece.
Fica a porta aberta...

21/09/14

11 de Setembro

Madrugada fora, as explicações vinham como ondas rasteiras
com a sua espuma branca de quem veio da tempestade
E o nó na garganta, que apertava e rugia
Já não era só saudade

À velocidade da palavra - Agora - e à permissão de um - Vem
de novo a porta se abriu à dúvida do que se deve
O abraço surgiu por entre as veias quentes
E nunca mais foi breve

Nos quilómetros que separaram o que fomos do que somos
ficaram as marcas do que nos outros procurámos, em vão, sentir
ficaram as tentativas de renascermos um sem o outro
e a incapacidade de partir

Em outros corpos procuramos apenas uma razão
mas nunca em ninguém encontrámos a força esmagadora
que em nós reconhecemos quando a tua mão está na minha mão

Jurámos amor num pacto nada silencioso, na noite
que ecoou pelas ruas e em forma de canto, de choro e de riso
nos selou as horas com abraços longos e repetidamente finitos
como a entrada directa para o paraíso

Entre as palavras atropeladas mas firmes que me disseste
Chorei contigo, o desespero, como se me tivesses morrido
Porque ver-te quereres ressuscitar das cinzas o que cuidadosamente mataste
É o mesmo que ver renascer um filho

Ternamente como um animal aconchega a sua cria
Cuidaste de mim e de quase toda a minha dor
Todos os sentimentos foram nossos por um dia
Em que me elevaste inteira com o teu amor

Agora decididos como a água de um rio que transborda
por já não poder mais fechado nas pacatas margens
Queremos a vida que é nossa por direito
Sem refrear, sem esconder e sem paragens


Se eu soubesse que a vida nos ia permitir este reencontro
como quem exige uma herança que lhe é devida
em que me confirmas que as estações são todas nossas
Será que tinha sofrido igual a despedida?

10/09/14

O fim do Verão

A ansiedade desenha-se a cada letra escrita
como um quadro que tantas vezes já se começou
E tantas outras se apagou até já não restar mais nada

As linhas do caminho de ferro terminaram
por não haverem mais comboios a passar
Assim como as linhas telefónicas e as linhas da mão

O problema é que cheira a rosmaninho acabado de apanhar
Parece a tua mão que envolve parte do meu ombro novamente
Mas afinal é só o tempo a esfriar




27/08/14

Sempre achei que as árvores, como as pessoas, têm muito para nos dizer. 
Entre emaranhados de ramos e folhas entrelaçadas encontro o silêncio que nunca é o meu. 
Já do céu azul... não sei nada.




16/08/14

Felizmente desiludida

Desilusão é viver sem ilusão
Sem acreditar no que não é
Sem esperar a volta da maré
Sem julgar ser grande o que é vão

E é isso que desejo para o resto da vida
Andar assim feliz e eternamente desiludida
E hoje ninguém mais ama desalmadamente
Tudo ama com alma...
E a alma é tão pequena pr' aquilo que agente sente
Acusada de gostar demais, parti
E vezes sem conta, desisti
sem fé, de ser assim.

Não quero sair de mim
Nem ter quem me critique
Quem me quiser amar que fique.

Les pensées

Poisar as mãos no colo
e aceitar todas as portas e as janelas abertas

Retirar os tapetes da casa para ter a certeza
que todo o chão que piso é igual

Confirmar a dureza da parede branca
e decidir não me magoar

Pegar em dois cordéis de ráfia, personificando
as rédeas da vida que não comando

Entender que sinto quando dou inteira
Parte da maneira como nunca mais eu vou amar

27/07/14

A Tarde

A parede amarela termina onde começa o céu
naquela casa mantida entre o cuidado e o desapego.

Murmuram turistas cegos pela luz que Lisboa irradia 
bate nos copos e desagua num rio, que nunca mais foi o mesmo.

As mãos entrelaçam-se entre as palavras sem se sobreporem. Existem.

Parece o dia que termina, mas não. O aluno nunca veio ver o mestre à relva inexistente e como qualquer grande homem ele terminou a bebida e inspirou parte do momento, abriu o peito, quase doido de tão azul e disse para dentro dela:


- Vamos viver!


20/07/14

As mãos

Eu tinha uma mala na mão e tu tinhas outra
Normalmente saíamos ao mesmo tempo
Íamos ao mesmos lugares comuns
Descobríamos como é bom conhecer o desconhecido
Amar o improvável, encontrar o perdido

Eu tinha uma mão na mão e tu tinhas outra
Invariavelmente a minha mão era tua, para apertares devagar
E a tua mão era aquela que eu cheirava com ternura
De olhos fechados e dizia, em surdina, esta mão é minha
E ríamos divertidos quando nos liam a sina

Eu tinha uma sina na mão e tu tinhas outra
Entre cruzes e canhotos, entre ruelas e escombros
Encontrávamos caminhos que corríamos descalços
Sem saber que a mão que apoia é também a que afasta
Quando o riacho transborda ou quando a vida está gasta

Eu tinha uma pedra na mão e tu tinhas outra
E foi durante muito tempo que nos olhámos devagar
Como quem mira de perto alguém que se vai matar
Podíamos ter feito castelos, podíamos ter feito trilhos
Mas lançámos as pedras em frente, sem dó nem piedade
E largámos as malas, as mãos e a sina, que já não eram verdade...







25/06/14

Tudo em ordem

Não se inquietem com a minha ausência
Tudo continuará igual
Os talheres na primeira gaveta
A pega ao pé do avental
A vizinha às vezes toca e vem pedir ovos
E o cão que se ouve ladrar não é meu
A cama, feita de lavado, tem lençóis novos
Se se fecham os cortinados não entra luz
Não se reguem as plantas que são de plástico
Não se abram garrafas quando eu não estou
Não se faça café se eu me demoro
E eu ainda não sei se vou demorar

Ainda nem sei para onde vou
Quanto mais a que horas vou voltar.